Chefe da Casa Civil, Rui Costa disse que empresas condenadas na Operação Lava Jato poderão pagar dívidas com obras públicas
Especialistas alertam para a regulamentação e fiscalização da utilização das dívidas de empresas condenadas pela Operação Lava Jato como investimento em obras públicas. De acordo com fontes, a ação requer um controle rigoroso para que a corrupção não seja cometida novamente por agentes públicos e privados.
A medida foi anunciada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. O governo conversa sobre o assunto com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU). O objetivo é repactuar os acordos de leniência firmados durante a Operação Lava Jato.
Esse tipo de contrato ocorre entre as empresas acusadas de corrupção e o poder público. São pagas multas e dadas outras contrapartidas para que as companhias não sofram punições mais severas. Os valores chegam à casa dos bilhões e, em vez de serem pagos em dinheiro, seriam revertidos para a construção de obras, principalmente nas áreas de saúde e educação. Com isso, as companhias ficariam responsáveis pela construção de escolas, creches e hospitais.
Para o doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) Matheus Falivene, não é “interessante” envolver empresas notoriamente corruptas ou que foram condenadas por corrupção na realização de obras públicas. “A declaração do ministro tem mais uma natureza política do que propriamente ser factível no âmbito jurídico”, diz.
“Nos acordos de leniência, seria possível negociar [a transferência do pagamento das multas em obras públicas]. Já no caso de ação civil pública, não há previsão legal”, explica o especialista. “Assim como seria difícil obrigar as empresas a participarem da realização de obra pública”, completa.
A especialista em direito constitucional e mestra em administração pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV) Vera Chemin diz que há uma brecha na lei anticorrupção para que seja possível a substituição do pagamento das multas pela realização de obras públicas. Segundo ela, a brecha está no artigo 24, que prevê que “a multa e o perdimento de bens, direitos ou valores aplicados com fundamento nesta lei serão destinados preferencialmente aos órgãos ou entidades públicas lesadas”.
Uma das questões que chamam a atenção de Chemin é relacionada à regulamentação e ao controle da medida. “Tem que examinar caso a caso para saber como vai ser o controle da realização dessas obras públicas. E isso envolve, por exemplo, se a companhia vai fazer a obra com o valor da multa, a data para a realização da obra, o beneficiário e afins”, diz. “Outro ponto importante é a dúvida de que a administração pública realmente não possa sair lesada nessa história, uma vez que as obras públicas seriam investimentos, e não aplicadas à União em si”, acrescenta.
Para o doutor em direito constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) Acacio Miranda da Silva Filho, a medida é positiva. “As multas são pagas pelas empresas e a destinação desse dinheiro se dá para diversas finalidades, segundo a necessidade da administração, conforme a lei anticorrupção”, relata. “E quando olhamos para essa proposta, faz sentido, desde que essas obras sejam realizadas em conformidade com os padrões administrativos”, acrescentou.
O especialista destaca três pontos que carecem de atenção em relação à medida: valores, regulamentação e fiscalização. O primeiro diz respeito a se a medida é benéfica para a União e se compensa financeiramente ou não. Os dois últimos pontos se referem à edição normativa e à própria inspeção.
A lei anticorrupção foi editada em agosto de 2013 e trata da responsabilização administrativa e civil de empresas pela prática de atos de corrupção contra a administração pública. O objetivo é coibir a atuação de companhias com esquemas de corrupção e, assim, evitar prejuízos aos cofres públicos.
Uma das punições previstas na lei é a multa de até 20% do faturamento da empresa. No Brasil, os maiores acordos de leniência feitos até agora foram com a Braskem (R$ 2,87 bilhões), Odebrecht (R$ 2,7 bilhões) e OAS (R$ 1,9 bilhão).